28/01/2008
Os distúrbios da medula espinhal, em especial os relacionados à região da cauda eqüina, são afecções neurológicas freqüentemente encontradas no cão. A compressão, destruição ou deslocamento das raízes espinhais que ocupam o canal vertebral caudal ao fim da medula espinhal
levam a sintomas neurológicos que caracterizam a Síndrome da Cauda Eqüina (SCE). As deficiências
neurológicas afetam comumente a locomoção, sendo facilmente reconhecíveis até pelos
proprietários e associado a estes sinais intensa reação dolorosa na região lombosacra é observada.
Considerações Anatômicas
O crescimento diferenciado do esqueleto e das estruturas neurais do embrião ocasiona uma
disparidade entre a localização dos segmentos medulares e suas respectivas vértebras resultando em
um cordão espinhal mais curto que a coluna vertebral. Nos cães, os três últimos segmentos da medula
espinhal lombar (L5-L7) estão no interior da vértebra L4, os segmentos sacrais (S1-S3) estão na vértebra L5
e os segmentos coccígeos em L6. As raízes nervosas desses segmentos deixam o canal espinhal através
do forame intervertebral caudal à vértebra de mesmo número percorrendo uma distância considerável dentro do canal vertebral caudal até o término da medula espinhal. Essa coleção de
raízes nervosas que ocupa o canal vertebral caudal (conus medullaris) ao fim da medula espinhal forma a cauda eqüina.

Considerações Funcionais

Os nervos periféricos que formam a cauda eqüina e tem importância clínica são:
* Nervos isquiáticos, originados nos segmentos medulares L6-L7-S1. Sinais de disfunção incluem
diminuição do senso de propriocepção, paresia, ataxia, hipotonia, atrofia dos músculos, glúteo, bíceps
femoral, semitendinoso, semimembranoso, tibial cranial e gastrocnêmio, além de áreas de parestesia e
anestesia;
* Nervos pudendos, originados pelos segmentos medulares S2 e S3, que inervam os esfíncteres uretral e
anal, músculos da vulva, pênis, prepúcio e escroto;
* Nervos pélvicos, originados das raízes nervosas de S2 e S3 que inervam as vísceras pélvicas e órgãos
genitais. Podem ocorrer anormalidades voluntárias e reflexas da vesícula urinária, uretra, ânus,
resultando em incontinência urinária e fecal e dificuldade de ereção e ejaculação.
* Nervos caudais, formados pelos segmentos medulares caudais Cc1 a Cc5. Lesões podem causar
paralisia parcial ou completa exclusivamente da cauda.
Estudos cinéticos demonstraram que as articulações lombosacrais possuem maior mobilidade
que outras articulações lombares caudais a L3, isto pode ter influência na alta incidência de doenças
degenerativas nesta região.

Distúrbios congênitos que resultam em sintomas de disfunção de caua equina

- Anomalias Vertebrais e/ou das Raízes Nervosas

Anomalias do tecido nervoso, como a Espinha Bífida acompanhada de Mielomeningocele, podem estar associadas aos sintomas de SCE como incontinência urinária e fecal, dificuldade de deambulação de membros posteriores e reflexos. A etiologia e patofisiologia claramente a separam
das demais causas comuns de disfunção de cauda eqüina. A Espinha Bífida resulta de uma falha embriológica na fusão das duas metades dos processos espinhosos dorsais das vértebras. Essa
malformação é mais comum em Bulldogues Ingleses e gatos Manx e o desenvolvimento dos sinais
neurológicos é variável. Anomalias congênitas lombosacrais consistem de vértebras transicionais
simétricas ou assimétricas, com ou sem deslocamento de vértebra lombar, sacro ou pelve e com ou sem estenose do canal espinhal. Anomalias lombosacrais predispõem à degeneração precoce do
disco e protrusão, deslocamento, ou estenose do canal espinhal secundária à hipertrofia de tecidos ou
instabilidade vertebral. A estenose primária do canal espinhal da última vértebra lombar ou primeira
sacral pode ocorrer sem a presença de segmentos vertebrais transicionais em cães de raças pequenas, sendo mais comum em cães de grande porte. Hemivértebras em região lombosacra são
menos comuns, mas se presentes, instabilidade secundária ou deslocamento vertebral podem produzir
compressão da cauda eqüina.
Estenose Lombosacra Idiopática
Diferente da Estenose Lombosacra Degenerativa é uma doença definida de cães de pequeno e médio porte resultante de pedículos curtos e espessados, lâminas e facetas articulares escleróticas e espessadas, espessamento e envolvimento do ligamento longitudinal e facetas
articulares invadindo dorsalmente o canal vertebral. Acredita-se que estas alterações resultam de uma falha no desenvolvimento do arco neural.

- Infecções
A Discoespondilite (osteomielite intradiscal) é uma doença infecciosa que envolve um ou mais discos intervertebrais e suas vértebras adjacente, geralmente associada à infecção do trato urinário,
endocardite, dermatite, orquite ou bacteremias. Podem acometer qualquer espaço de disco intervertebral, sendo os espaços lombosacros os locais de maior ocorrência relatados. A afecção é de origem bacteriana ou fúngica, decorrente de infecção por corpo estranho (implantações cirúrgicas
ou traumáticas)ou por via hematógena (forma mais comum na qual o fluxo sanguíneo diminuído da
região subcondral nas epífises vertebrais permite a colonização do corpo vertebral por microorganismos). Ocorre difusão das bactérias pelas vértebras e discos, penetrando no espaço do disco intervertebral e vértebras adjacentes através dos seios venosos. Independente da causa, a
infecção resulta em neoformação óssea no espaço do disco e formação de tecido fibroso conectivo
na região da cauda eqüina. A dor espinhal é resultante da inflamação do disco intervertebral e
sensibilidade de estruturas adjacentes.

- Neoplasias
Independente do tecido de origem, neoplasias da coluna vertebral resultam em invasão do tecido nervoso no canal vertebral, sendo que as massas extradurais representam aproximadamente 50% dos tumores espinhais. Embora os tumores de origem óssea sejam os mais comuns, metástases de adenocarcinomas prostáticos e mamários também podem ocorrer.

- Moléstia do Disco Intervertebral

No Tipo II (Hansen) ocorre uma degeneração fibrinóide do disco intervertebral em alguns cães
como parte do processo de envelhecimento. A ruptura parcial do ânulo permite o prolapso de
pequena quantidade de material do disco através do ânulo fibroso, o que, em conjunto com uma reação fibrótica concomitante, resulta na formação de uma protuberância arredondada (em forma
de cúpula) na superfície dorsal do disco no canal espinhal. O prolapso parcial repetido e a resposta
concomitante causam os sinais lentamente progressivos de compressão da medula espinhal. Esse tipo
de protrusão de disco é mais comum em cães idosos de raças de grande porte, particularmente Pastores Alemães, Labradores Retrievers e Doberman Pinschers, o que aliado a estenose lombosacra progressiva secundário à instabilidade da coluna vertebral é a causa mais comum de compressão da
cauda eqüina.

- Trauma

Pode resultar em fratura ou luxação de L7, L7-S1, sacro ou junção sacrococcígea. Déficits
neurológicos permanentes podem ocorrer, e hemorragia e edema subseqüente ao trauma contribuem diretamente ao dano neurológico.
Estenose Degenerativa Lombosacral
É a forma mais comum de patologia lombosacra e acomete principalmente cães adultos de grande porte. Resulta em protrusão discal do tipo II (protuberância dorsal do anel fibroso),
hipertrofia/hiperplasia do ligamento arqueado, formação osteofítica, espessamento dos arcos intervertebrais ou facetas articulares, e (raramente) subluxação/instabilidade da junção lombosacra.

Características clínicas

Os cães acometidos relutam em correr, levantar, abanar a cauda, pular ou subir escadas. A
claudicação e a fraqueza dos membros posteriores pioram com o exercício, à medida que ocorre
dilatação dos vasos sangüíneos que irrigam as raízes espinhais dentro do forame intervertebral,
acentuando a compressão das raízes nervosas já comprimidas. Pode ocorrer hiperestesia ou paresia
do períneo, com dermatite úmida auto-inflingida do períneo e da base da cauda.
O achado mais consistente ao exame físico é a dor lombosacra desencadeada pela palpação profunda da região ou pela dorsoflexão da cauda. Se não houver déficit neurológico, pode ser difícil distinguir se a claudicação causada decorre de discoespondilite, doença prostática, contratura do
músculo grácil, doença articular degenerativa resultante de displasia coxofemoral ou ruptura do ligamento cruzado cranial. Observa-se fraqueza do membro posterior, atrofias dos músculos caudais da coxa e da parte distal do membro (desnervação ciática) e diminuição da flexão do membro
(especialmente flexão do calcanhar). O reflexo patelar pode parecer aumentado em alguns cães devido à perda do tônus dos músculos opositores caudais das coxas. Pode ocorrer disfunção urinária
provocando gotejamento de urina e bexiga facilmente compressível. O reflexo anal poderá estar
normal ou diminuído e o tônus anal poderá estar diminuído.

Diagnóstico

O diagnóstico é desafiador já que pode ser camuflado por outras doenças e por não haver uma modalidade singular de imagem que permita consistentemente que o diagnóstico seja feito. O
diagnóstico preliminar requer a combinação do histórico, sinais clínicos e dados laboratoriais. Muitos
animais são incorretamente diagnosticados como portadores de displasia coxo-femoral, pois além de
apresentarem sinais clínicos bastante semelhantes, as raças acometidas por ambas as doenças são geralmente as mesmas. O diagnóstico definitivo é baseado em métodos de diagnóstico por imagem.

Modalidades de imagem

- Radiografia Simples
Deve ser o passo inicial, sendo diagnósticas em condições que envolvem destruição óssea ou deslocamento, incluindo discoespondilite, estenose lombosacral idiopática, neoplasia óssea e subluxação ou fratura decorrente de trauma. A anestesia geral é obrigatória para a obtenção de
imagens adequadas e diagnósticas.

- Mielografia

A técnica é recomendada onde a radiografia simples não definiu o diagnóstico, sendo a técnica de escolha para avaliar graus de compressão do canal espinhal.

- Epidurografia

É uma técnica radiográfica de fácil aplicação que envolve a injeção de contraste no espaço epidural lombosacro, sendo capaz de identificar a compressão ou estenose em 78% dos casos onde se tenha suspeita de SCE.

- Discografia

Consiste da injeção de meio de contraste no núcleo pulposo de um disco intervertebral, servindo para documentar definitivamente um prolapso de disco na região, mas não outras causas de compressão. Há de se ressaltar que a discografia e a epidurografia são técnicas de fácil aplicação para o veterinário familiarizado com a anatomia da região lombosacra e as técnicas podem ser
realizadas simultaneamente elevando o índice de confirmação diagnóstica para 90%.

- Tomografia Computadorizada

Como vantagens temos a melhor resolução de contraste dos tecidos moles e a natureza dos
cortes transversais das imagens. Uma importância particular da CT é permitir a avaliação dos
processos laterais, forame intervertebral e processos articulares, além da habilidade do computador em criar (reformatar) imagens dorsais e sagitais dos cortes.

- Ressonância Magnética

Constitui um método bastante sensível, preciso e não invasivo, tendo como uma das principais vantagens a habilidade em adquirir imagens planas sagitais e dorsais sem degradação da imagem.
Não requer a utilização de injeção de meio de contraste ou radiação ionizante, mas requer mais tempo para a realização que a CT. Tem sido reportada como a modalidade mais sensível na detecção de degeneração de disco e mais específica que a CT na detecção de hérnias e prolapsos.

Tratamento e prognóstico

Em alguns cães afetados nos quais os sinais clínicos são brandos ou em que a aparente dor lombosacra é o único problema, a terapia conservativa com a restrição do exercício e confinamento
aliado ao uso de medicamentos analgésicos tem demonstrado melhora temporária. Cães com déficits
neurológicos, dor não responsiva à terapia conservativa e recidiva devem ser considerados candidatos ao tratamento cirúrgico. Sendo a discoespondilite uma doença infecciosa, o tratamento deve ser feito utilizando-se uma antibioticoterapia adequada. Deve-se lembrar aqui o uso da Acupuntura que tem obtido resultados importantes na melhora das condições de vida do paciente.

Considerações finais

Foi possível verificar que estão envolvidos diferentes agentes etiológicos, sendo o diagnóstico
diferencial de suma importância para que seja instituída uma terapêutica específica. O tratamento demanda a habilidade de completar e interpretar os resultados de um exame neurológico, a capacidade de compilar uma lista de possibilidades diagnósticas e o conhecimento dos procedimentos diagnósticos disponíveis e recomendações terapêuticas.

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