28/01/2008
INTRODUÇÃO

Na última década, com a ampliação dos conhecimentos vinculados à pesquisa básica em fisiologia da reprodução na espécie canina, diferentes estudos comprometidos com o desenvolvimento e o aprimoramento de técnicas biológicas (Farstad e Andersen- Berg, 1989; Linde-Forsberg et al., 1999) ultrapassam o âmbito experimental e adquirem aplicabilidade.
Avaliar a capacidade de fecundação do macho e/ou da fêmea canina, prevenir e identificar diferentes patologias, além de conferir o status apropriado ao verdadeiro reprodutor, acabaram por se tornar procedimentos familiares na rotina do profissional que atua nessa área da Medicina Veterinária.
A pesquisa por um aumento nos índices reprodutivos através da utilização de biotécnicas avançadas já bem estabelecidas, como a da inseminação artificial e no futuro, a expectativa na adoção da transferência de embriões, a exemplo do que já é realizado em outras espécies, implica no aperfeiçoamento dos métodos usados na manipulação e no processamento seminal pelo lado masculino, assim como no reconhecimento do mecanismos de finalização da fecundação e do desenvolvimento embrionário pelo lado feminino.
"Levando-se em consideração, que a inseminação artificial e a transferência de embriões não alteram a constituição dos gametas, nem qualquer aspecto da fisiologia dos animais envolvidos, podemos caracterizar estas biotécnicas de reprodução como isentas de risco tanto para a população animal envolvida como para nós, seres humanos (Rodrigues, 1997b)".

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL

A inseminação artificial (IA), definida como a introdução de espermatozóides no aparelho genital feminino com o objetivo de concepção, é uma biotécnica reprodutiva importante em caninos. A inseminação artificial oferece a possibilidade na elevação da probabilidade de fecundação de um (a) determinado reprodutor (a) (Freshman et al., 1988). O sucesso está vinculado a fatores de ordem ginecológica e andrológica, representados pelo reconhecimento e controle das etapas do ciclo estral na cadela e relacionados à qualidade do sêmen, ao processamento do ejaculado nos reprodutores. A utilização de sêmen fresco é ainda a forma nacional mais empregada na IA de diferentes raças caninas. Outras formas incluem a inseminação com sêmen resfriado e com sêmen congelado, naquelas situações nas quais existe a impossibilidade de reunir os reprodutores para o acasalamento ou com o objetivo de preservar o patrimônio genético de machos de valor comercial apreciável.
Fatores de ordem andrológica
Diferentes aspectos relacionados ao reprodutor, assim como à manipulação e ao processamento do sêmen influenciam as taxas de fecundação obtidas com a inseminação artificial. Manejo reprodutivo excessivo, que leva ao esgotamento das reservas espermáticas no epidídimo, contribui para reduzir a concentração de espermatozóides da amostra seminal. Além dos fatores de ordem intrínsica, tal como susceptibilidade espermática individual a processamento, também os fatores extrínsicos de origem nutricional, tóxica, medicamentosa ou traumática que interferem com a qualidade ou produção espermática seminais influem sobre os resultados da IA na espécie canina.
Embora não esteja confirmado o número mínimo de espermatozóides com características normais para assegurar a fecundação em caninos, considera-se percentagem de motilidade progressiva > 70% e normospermia > 80% como parâmetros fisiológicos de viabilidade seminal (Keenan, 1998).
Nos programas de reprodução assistida, a literatura recomenda que as doses inseminantes contenham de 150 a 200x106 espermatozóides (Andersen, 1980).
A conservação seminal cujo princípio consiste na manutenção do potencial fecundante espermático é alcançada através da utilização de substâncias conhecidas como diluidores e crioprotetores. Os diluidores com suas propriedades isotônicas, nutritivas, antioxidantes e protetoras contra o choque térmico mantêm a viabilidade celular durante o estado de anabiose induzido pela redução da temperatura a que a célula é submetida durante o resfriamento ou o congelamento seminal. O glicerol, empregado entre 4% e 8% do volume seminal diluído final, é o crioprotetor mais utilizado na criopreservação de sêmen canino (Fontbonne, 1998), consideradas suas propriedades protetoras durante a fase de cristalização celular (Peña et al., 1998).
É preciso ressaltar que a IA prevendo utilização de sêmen congelado na espécie canina lida com aspectos relacionados ao dano celular oriundo do crioprocessamento, representados no pós-descongelamento espermático por baixa termoresistência (Ivanova-Kicheva et al., 1995), longevidade reduzida (Concannon e Battista, 1989) e perda acrossomal da ordem de 34% (Huwer, 1984).
Fatores diversos como acondicionamento espermático e/ou velocidade de congelamento ou descongelamento, além de modificações físico-químicas no diluidor durante o congelamento podem influenciar os resultados finais sobre motilidade e vigor espermáticos (Rodrigues, 1997a).
Segundo Guérin (1997), as percentagens de fecundação através da IA com sêmen fresco podem chegar a 80%; um índice que com sêmen resfriado fica situado entre 60% e 70% e que com sêmen congelado produz resultados variados situados entre 50% e 84%. Índices maiores do que 70% em IA utilizando-se sêmen crioprocessado, estão relacionados a percentual de motilidade espermática pós-descongelamento superior a 40% (Linde-Forsberg et al., 1999).
Fatores de ordem ginecológica
A adequação do período mais apropriado para realização da IA constitui um aspecto fundamental na aplicação da metodologia. A avaliação conjunta de uma série de modificações anátomo-clínicas e hormonais relacionadas aos diferentes estágios do ciclo estral nas fêmeas caninas, permite identificar com acurácia o momento da ovulação nessa espécie. No controle do ciclo estral, a ultra-sonografia tornou-se uma técnica complementar importante no reconhecimento do desenvolvimento folicular ovariano (Nautrup, 1998) e foi incorporada às metodologias vigentes de citologia, vaginoscopia e dosagem sérica do hormônio luteinizante ( LH) e de progesterona circulante.
Fêmeas da espécie canina apresentam geralmente múltiplas ovulações, espontâneas observadas 30-48 horas após a ocorrência da elevação máxima circulatória de LH (Jeffcoate, 1998). São necessários 2 a 3dias para que os ovócitos liberados ainda na profase da meiose alcancem maturação no oviduto. Em seguida à maturação , os ovócitos mantêm sua viabilidade por 2 a 3 dias adicionais (Guérin,2000). Considerando-se a impossibilidade na fecundação dos ovócitos em até 4 dias seguidos ao pico de LH, nomeia-se como período fecundante na cadela o intervalo que se extende do 4o ao 7o dia após a ocorrência da elevação máxima deste hormônio (Jeffcoate, 1998). Na prática, a determinação de LH ou de progesterona sérica associada à observação da mucosa e da citologia vaginal permite identificar com segurança o período fecundante na cadela. A identificação do momento da inseminação através do emprego de dosagens hormonais é efetuada de forma seriada utilizando-se métodos quantitativos tais como radioimunoensaio ou teste imunoenzimático. Determinações semi-quantitativas podem ser igualmente empregadas, embora concentrações absolutas hormonais não possam ser definidas nesse caso (Guérin, 2000). O perfil da progesteronemia durante o ciclo estral da cadela é ascendente e gradativo. As primeiras elevações significativas ocorrem paralelamente ao pico de LH. No momento da ovulação, quando os ovócitos encontram-se ainda em estádio de vesícula germinal, são registrados índices médios de 5ng/ml (Concannon et al., 1977). Estabelece-se como momento adequado para realização de IA com sêmen fresco ou resfriado progesteronemia de 10 ng/ml e com sêmen congelado de 30-40 ng/ml (Guérin, 2000).
À inspeção, a parede da mucosa vaginal apresenta-se pálida com a presença de pregueamento longitudinal e transversal. Citologicamente, verifica-se o predomínio das células chamadas superficiais com núcleo picnótico e/ou anucleadas provenientes do estrato epitelial superficial, indicativas da proliferação epitelial máxima alcançada ao longo do ciclo estral (Günzel, 1984).
Métodos, frequência e número de inseminações
Na IA com sêmen fresco ou resfriado, a utilização de catéteres adaptados à anatomia da espécie canina permite que o sêmen depositado na porção cranial da vagina garanta bons resultados de prenhez.
O emprego de técnicas de deposição seminal transcervical endoscópica ou via cateterização ou cirúrgica por laparotomia ou por laparoscopia, que evitam o ambiente da vagina e reduzem as perdas espermáticas freqüentes na inseminação vaginal é considerado essencial na obtenção de índices adequados na fecundação ao se utilizar sêmen crioconservado (Linde-Forsberg et al., 1999).
O protocolo de inseminação é baseado na natureza do sêmen a ser empregado. Resultados consistentes relacionados a estabelecimento de prenhez e a tamanho de ninhada podem ser obtidos com duas inseminações realizadas com intervalo de 24 a 48 horas ao se utilizar sêmen fresco ou resfriado. Considerando-se a viabilidade reduzida dos espermatozóides submetidos a crioprocessamento, a literatura sugere intervalo máximo de 24 horas nas inseminações com sêmen congelado (Guèrin, 2000).

CONCLUSÃO

A utilização de biotécnicas de reprodução assistida em cães mostra que esta é uma área em expansão na medicina veterinária. Sua difusão está associada ao progresso científico das metodologias e à ampliação do contingente de profissionais qualificados. A real possibilidade na utilização de técnicas biológicas avançadas, cujo emprego contribui para aumentar ou controlar os índices reprodutivos nos caninos, faz desse um campo promissor, no qual os maiores beneficiados são os próprios pacientes.
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